[Finge que é teatro] - Capítulo 4
Março 05, 2023
hannahrbc
No dia seguinte, depois das aulas fui diretamente para a Faculdade de Ciências. Acabei por apanhar o autocarro porque não queria andar tanto. Eu já conhecia o lugar, basicamente qualquer aluno sabia onde ficava o café, onde as cervejas e cidra eram as mais baratas da Cidade Universitária. O café era super pequeno mas a rua era toda ocupada pelo alunos que formavam grupos.
Como eram 5 da tarde, era a hora em que os alunos começavam a juntar-se mais então tive dificuldade em encontrar uma cara conhecida. Mas lá estava a Matilde e a Ana, por isso apressei-me e juntei-me a elas.
Elas apresentaram alguns colegas delas, mas eu não via mais ninguém da aula de teatro.
- Sabem se vem mais alguém? - Perguntei eu a elas.
- Supostamente vinham todos. Mas devem vir mais tarde. Olha, vou te adicionar a nossa conversa de Whatsapp para saberes tudo. - Disse a Ana.
Depois de eu lhe dar o número e eu ser adicionada à conversa, ela perguntou no grupo quem mais vinha. Ao que alguns responderam que estavam no caminho, outros que estavam quase a chegar e alguns que provavelmente nem vinham.
Pouco tempo depois apareceu o João, que vinha acompanhado pelos outros 2 rapazes que não tinha fixado o nome.
- Victoria certo? - Inquiriu um dos rapazes que eu não sabia o nome e eu acenei, este não era muito mais alto que eu e tinha uma barba que estava a começar a crescer. - Miguel.
- Honestamente não tinha fixado o teu nome. - Admiti eu.
- Não há problema. - Ele sorriu e não deixei de admirar a beleza dele. Como é que eu não o tinha visto ontem. E Bia deve ter razão, eu não vejo um rapaz por perto há demasiado tempo.
- Também não me lembro da tua apresentação ontem. Podias me dizer novamente o que estudas?
- Sou da Faculdade de Direito, e reparei que também estudas Direito.
Como é que este rapaz não chamou a minha atenção ontem. Ele era calmo, composto, além de extremamente atraente. Não tão atraente como o Fred, mas tinha a sua piada. O cabelo era de um castanho claro, olhos com uma cor castanho-esverdeado e uma pele clara. Pelo menos mais clara do que a do Frederico, mas muito mais escura que a do Chris.
- Desculpa. Eu não sei o que me aconteceu ontem, mas literalmente só ouvi a apresentação da Ana, Matilde e Joana. Não faço ideia como se chama o resto e não quero estar a perguntar. - Admiti eu novamente a ele, ao que ele sorriu levemente e disse:
- A tua sorte é que eu tenho uma memória ótima e ontem estive bastante atento. O rapaz que veio comigo chama-se Pedro, nós viemos os dois de Direito. - Ele aproximou-se de mim e eu senti que ele cheirava a champô fresco e um perfume quente. - A rapariga loira que chegou chama-se Maria. Estão a faltar o João, Carolina, Mariana e Catarina. E como tu ficaste ontem a conhecer, o Frederico, mas esse deve ter ficado bem na memória. - Comentou ele afastando-se de mim.
- Isso é suposto ser algum tipo de comentário? - Olhei-lhe nos olhos desafiado-o.
- Não. Apenas uma observação.
- Que significa?
- Significa aquilo que quiseres que signifique. - Apenas disse ele. - O que vais beber?
- Eu… não costumo beber. - Menti eu por alguma razão. Não é que não costumasse beber, é mais não bebia atualmente.
- Volto já.
Ele desapareceu para dentro do café deixando-me sozinha ao lado do grupo que se tinha formado, composto pelos meus colegas de teatro mais os colegas da Ana e da Matilde. Na faculdade toda a gente adora conhecer toda a gente.
E qual era o meu problema com conhecer as pessoas? Sou tão facilmente distraída pela presença masculina que até tenho vergonha de admitir. Mas ao menos já sei os nomes deles, agora falta associar às caras. Vou conhecendo-os um a um, convenci-me, fingindo que o Miguel não tinha causado boa impressão. Ele era descontraído e exatamente o tipo de rapaz que eu precisava.
- Aqui tens. - Voltou o Miguel com um copo de plástico cheio de líquido amarelo. - Cidra. Normalmente as pessoas que não gostam muito de cerveja, não se importam com a cidra. Experimenta.
- Quanto foi, deixa-me pagar.
- Não te preocupes, ofereço eu. Se quiseres, pagas a próxima rodada.
Experimentei o líquido que me foi oferecido e saboreei com alguma desconfiança. Já tinha experimentado cidra, pois é bem popular nos pubs inglesas, mas esta era mais leve.
- Sabe a maçã. - Constatei eu. - Não sabe a álcool. Acho que me apresentaste uma nova bebida favorita.
Ele sorriu e bebeu da sua cerveja. Eu vi a sua maçã de Adão a mexer-se e por alguma razão isso deixou-me um pouco excitada. Eu definitivamente perdi a cabeça por causa de mínima atenção masculina. Eu não era feminista de modo nenhum, mas isto não estava certo. Estava a perder o controlo da situação e tinha que recuperar.
- Então o que me contas da tua vida? - Perguntou-me ele.
- Vivi 7 anos na Inglaterra, a minha mãe ainda vive lá. O meu pai vive cá e tem uma empresa de advogados, então eu estou a estudar para trabalhar com ele.
- E é o que tu queres fazer? - Perguntou ele calmamente mas curioso.
- Sinceramente, não sei. Nunca pensei propriamente naquilo que eu queria fazer. Sabia há muito tempo que ia ser advogada.
Ele acenou com a cabeça em forma de compreensão.
- Os meus pais queriam que eu fosse para engenharia. - Explicou ele. - Só que eu sou mau com os números. Acho que sou bom com as palavras além de ter facilidade de decorar coisas. Já é meio curso feito.
- Como é que disseste aos pais que querias mudar de curso? - Perguntei curiosa.
- Ainda foi no 10º ano. Eu tinha ido para ciências e estava a sair muito mal. Só recebia negativa atrás de negativa, mesmo com os explicadores. Mas era extremamente bom a filosofia e a português. Um ano inteiro de sofrimento e acabei por pedir aos meus pais para mudar para as letras. Assim que isso aconteceu, eu comecei a ter resultados muito melhores. Se não gostas de algo tens que o dizer, se não as pessoas não sabem.
- Palavras muito sábias para um rapaz tão novo. - Brinquei eu, mas pensando seriamente naquilo que ele tinha acabado de dizer.
- Deverias dizer ao teu pai que não queres estudar direito. Ainda vais a tempo. - Sugeriu ele e eu sabia que ele tinha razão, mas não sabia como o fazer.
- Uau, isto de repente ficou muito sério. - Tentei mudar de assunto. - Queres algo para comer? Beber álcool sem comer é um perigo.
- Eles vendem uma pizza lá dentro, queres dividir? - Sugeriu ele.
- Só se me deixares pagar desta vez. - Disse eu.
- Com certeza! - Respondeu ele sorrindo.
Eu não queria discutir a minha vida, o passado ou o futuro. O passado estava vivamente marcado pelo Chris e o futuro pela pressão que vinha do meu pai desde que eu era criança. Não foi por isso que vim a este encontro, ou teatro. Tudo isso servia para ser alguém diferente, mas o Miguel conseguia puxar a conversa de mim que eu há muito tinha esquecido de discutir com alguém e não gostava disso, mas estava a gostar demasiado da companhia dele. Miguel era suposto ser alguém casual e simples, não a pessoa que extrai em três segundos os meus segredos mais profundos.